“Achei que a gente ia morrer”, relata Natalini sobre os anos de chumbo

Todos os crimes que foram colocados debaixo do tapete durante os 21 anos do período da Ditadura Militar, aos poucos, estão sendo esclarecidos, pelo menos parcialmente. Os relatórios das diversas comissões criadas para trazer à tona e investigar essas violações de Direitos Humanos de um dos momentos mais sombrios da História brasileira estão surtindo efeitos positivos.

bc783446-b06c-4aa8-afb6-97f69f56a9c3

Na cidade de São Paulo, há a Comissão Municipal da Memória e Verdade, composta por autoridades e profissionais que sofreram na pele essas ações.  “São Paulo foi o centro de repressão policial. Aqui, aconteceram coisas muito violentas”, diz o jornalista Audálio Dantas, um dos principais membros da Comissão, no bate-papo promovido pelo grupo, que aconteceu na Câmara Municipal de São Paulo, na última quinta-feira (2).

b471607f-3780-4b56-a9f0-e960ccd598a9

 
Em contraponto, como um dos agentes de repressão da época, o ex-delegado Cláudio Guerra decidiu apresentar à sociedade a estrutura, os métodos e a forma como a polícia agia. Publicou o livro “Memórias de uma Guerra Suja”, em 2012, escrito por Rogério Medeiros e Marcelo Netto, que contém informações até então não divulgadas. Em entrevista ao vereador Gilberto Natalini, presidente da Comissão da Verdade Vladimir Herzog da Câmara Municipal de São Paulo, ele conta os métodos e as técnicas de execução que utilizava: “Nós éramos treinados para isso […] geralmente (o tiro) é dirigido ao peito. Tem um, especificamente, esse que eu executei na Avenida Angélica, acertei um tiro nessa região (indicando a boca) e foi até comentado na época. Nesse local teve um incidente, uma testemunha do povo ficou gritando, aquele negócio todo, e um dos carros da nossa cobertura apagou essa pessoa e ninguém sabe. Era uma testemunha comum, eu deduzo, porque desapareceu,” relata o ex-delegado.
Experiência sobre o tema não falta ao entrevistador Gilberto Natalini, do Partido Verde, que está completando seu quarto mandato.
Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi, órgão de repressão política na Ditadura Militar, passou pela vida do médico, quando ele ainda era apenas um estudante de medicina, aos 19 anos. “Eu fiquei lá 45 dias mais ou menos, apanhando. Prenderam 11 da Escola Paulista de Medicina. Eles queriam saber quem entregava o jornal. Achei que a gente ia morrer”, conta o vereador, sobre o período que ficou preso nos “anos de chumbo”. “Ficamos mais um mês no DOPS e lá não apanhamos mais. Depois de 30 dias fomos dispensados […] após essa prisão, porque eu era muito encrenqueiro, fui preso 17 vezes.” Atualmente, Natalini tem problemas auditivos em função aos choques diários que sofreu.
Depois de trinta e um anos desde que a repressão militar vivida no país acabou,  ainda há muitos resquícios na cultura do brasileiro. Para o jornalista Caco Barcellos, a polícia militar  e a ROTA são uma delas. “Acho que estamos vivendo uma crise de humanidade. […] Eles escolhem quem querem matar, afirmam que foi apenas uma reação e fingem atendimento. O modus operandi é o mesmo desde os anos 70”, esclarece Barcellos, autor de Rota 66.
A ditadura militar acabou, mas os efeitos na memória e nas ações dos brasileiros ainda são intensos. Personagens como Natalini e Audálio Dantas, considerados anteriormente inimigos públicos, são provas do sofrimento por expressarem seus posicionamentos políticos contrários  ao regime da época.
Em entrevista concedida aos alunos da Fapcom, Natalini faz um paralelo com a atual situação política do país. “Todo mundo que fosse contra a ditadura era visto como terrorista. Agora bala é de borracha; antes era bala de verdade e eles atiravam mesmo na gente”, conta o médico e vereador.
Créditos:
Texto: Larissa Vitoriano
Foto: André Bueno, da Câmara Municipal de São Paulo
 

About natalini

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *