Todo o Brasil, e até o mundo, testemunhou o papel do SUS no enfrentamento da pandemia do coronavírus. Seja pela ação de seu “exército do jaleco branco”, dedicado até à exaustão, seja pela utilização de sua rede capilar de Unidades de Saúde construídas em décadas, seja pela ação de grande número de gestores da tripartite (Comissão Gestora do SUS).
Não podemos prever a dimensão da tragédia se não fosse a ação do SUS na Pandemia. É possível que tivéssemos o dobro ou mais que as 650 mil mortes que tivemos. O povo brasileiro viu, reconheceu e louvou o SUS. Pois bem!
Nosso Sistema Público de Saúde vem sendo construído há muitas décadas, com a participação de milhares de profissionais de saúde que propuseram e implantaram o SUS, gestores públicos comprometidos e parcela significativa da população que participou das lutas sociais pela saúde pública.
A Constituição de 1988 e as Leis complementares criaram o Sistema que gradativamente foi sendo implantado no Brasil. Os números são astronômicos:
- Só Unidades Básicas de Saúde são 45mil; são cerca de 50 mil equipes de saúde da família.
- O SUS faz mais de 480 milhões de consultas médicas e mais de 3 bilhões de procedimentos e exames todo ano.
- Faz 4 milhões de partos, cerca de 11 milhões de internações por ano.
O SUS tem que fazer promoção e prevenção em saúde. Assim, nosso sistema nacional de vacinação é o melhor do mundo e toda vigilância sanitária e epidemiológica é feita pelo SUS. É realmente um trabalho gigantesco e grandioso.
Sendo assim, onde mora o problema do SUS, que ainda não assiste com a dignidade exigida os mais de 150 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do atendimento público???
São duas as causas desse problema:
- subfinanciamento (e de alguns anos pra cá, desfinanciamento mesmo) e
- gestão, seja por despreparo dos gestores, seja por desvios de recursos em atos de corrupção.
O sub (des) financiamento do SUS é crônico e existe desde sua fundação. Tem altos e baixos, mas o baixo financiamento sempre preponderou.
Tivemos um momento histórico quando foi aprovada a Emenda 29, que vinculou as verbas para a saúde em outubro de 2000. Eu era na ocasião, Presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Brasil (CONASEMS), e participei ativamente da pressão democrática e legitima no Congresso Nacional para aprovar a Emenda 29, que teve autoria dos então deputados Eduardo Jorge e Carlos Moscovi.
Daí, houve um aporte significativo de recursos ao SUS, que ajudou a mantê-lo vivo nos anos seguintes. Mas, o Governo Federal, a partir de 2003 começou a tirar o corpo fora. Ele que chegou a arcar com 65% dos recursos no passado, hoje participa com 43% do bolo de recursos, jogando a carga para os Estados e Municípios.
De 2004 a 2015 o Governo Federal congelou 280 bilhões de reais do orçamento da saúde. Boa parte dos municípios brasileiros coloca hoje o dobro, ou mais, que os 15% mínimo que prevê a Constituição. Para se ter uma ideia de onde chegou o desfinanciamento do SUS, ele hoje tem, somados as verbas federais, estaduais e municipais, R$3,87 por brasileiro/dia, para fazer sua missão de promoção e prevenção em saúde, cura e reabilitação.
É simplesmente irrisório. É ridículo!!!
Hoje, para se ter uma ideia, temos uma grave crise no atendimento às especialidades, exames mais complexos e assistência farmacêutica.
Há uma enorme dificuldade em várias áreas da assistência, e cito aqui três: a cardiologia, a oncologia e a nefrologia.
Para se ter uma ideia, uma hemodiálise custa R$314,00 por sessão, e o Ministério da Saúde repassa R$219,00 por sessão. Há um rombo de R$ 95,00. São 150 mil brasileiros que para manterem a vida, fazem 3 sessões de hemodiálise por semana.
Em 2015, no governo Dilma, o Congresso aprovou e ela sancionou a Lei que permite a entrada do capital estrangeiro na saúde do Brasil. Isso descompensou ainda mais o Sistema, pois o poder financeiro dos estrangeiros é enorme, e seu interesse é comercial e não assistencial.
No Governo Temer em 2016, aprovou-se o famoso teto de gastos, que atingiu a saúde. Foi o golpe fatal.
E agora, no Governo Bolsonaro, o Ministério da Saúde tem uma política de saúde errática e mal-intencionada, com arrocho no financiamento e péssima gestão, o que ficou amplamente demonstrado no enfrentamento da pandemia.
O SUS também teve, no decorrer do tempo um aumento dos problemas de gestão.
Somando-se ao desfinanciamento que já é letal, temos visto aumentar os gestores que não tem familiaridade e preparo para gerir o SUS. Além disso, vemos também, aumentar as denúncias e as ações de desvio de recursos do SUS, pelo Brasil afora. Um bom exemplo disso são as emendas secretas e suspeitas dos parlamentares. Por tudo isso, o SUS, patrimônio da Saúde Pública brasileira, sem o qual o povo estaria desassistido, passa cada vez mais dificuldades que vão distorcendo e inviabilizando suas atividades.
O financiamento precisa ser retomado!!!! E a gestão precisa de um banho de competência e moralidade. A começar pelo Ministério da Saúde.
Para que isso aconteça é preciso que cada pessoa no Brasil, não só entenda a importância do SUS para a vida da população, como esteja disposta a formar uma grande corrente de pressão popular, como já fizemos antes, para exigir do Governo, do Congresso, do Judiciário, enfim do Estado Brasileiro que busque os caminhos e destine mais recursos, dinheiro novo para o Sistema, e melhore os mecanismos de controle e auditoria, para avançar na modernização e moralização da prestação de serviços.
O SUS, com todas as dificuldades provê vida e saúde ao povo brasileiro.
Está na hora do povo brasileiro exigir as devidas condições para o SUS agir e sobreviver.
Viva o SUS!!!
Gilberto Natalini- Médico e Ambientalista