Gilberto Natalini SP

Atualmente, no Brasil, em torno de 150.000 cidadãos estão em tratamento crônico de diálise, segundo o último Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia. Considerando-se a incidência e a prevalência de pessoas em diálise em países com o mesmo nível de desenvolvimento que o Brasil, estima-se que exista um número não desprezível de pacientes que deveriam estar em tratamento, mas
que não chegam às unidades de diálise por falta de acesso ao sistema de saúde. A hemodiálise é a modalidade predominante no país, responsável por 85% dos pacientes em tratamento. Em média, para cada indivíduo em hemodiálise, o tratamento constitui-se por 3 sessões por semana, com duração de 4 horas.

Mais de 80% da assistência médica para a terapia dialítica crônica é financiada exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e 85% dos serviços que prestam atendimento aos pacientes do SUS não são públicos. Dessa forma, o tratamento crônico dialítico no país é, na grande maioria, por contratação de serviços pelo SUS.

As clínicas contratadas, dentro da rigorosa legislação vigente e específica para esses atendimentos, se responsabilizam por todo o financiamento referente a:

1. Estrutura física do estabelecimento e sua manutenção;
2. Compra e manutenção dos equipamentos necessários para o procedimento, a maioria importados
e sujeitos à variação do dólar;
3. Os insumos farmacológicos e não farmacológicos para a realização do procedimento, a maioria
também importados e sujeitos à variação do dólar;
4. Contratação dos recursos humanos necessários para a prestação do serviço, tais como
enfermeiros e técnicos de enfermagem, médicos, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos,
administrativo, suporte técnico e limpeza;
5. Impostos municipais, estaduais e federais, além dos direitos trabalhistas.

Em 2017 ocorreu o último reajuste da sessão de hemodiálise, quando o valor pago pelo SUS passou de R$ 179,03 para R$ 194,20. Um aumento de 8,47%, já à época insuficiente e muito abaixo da inflação. Em 2016, a própria equipe técnica do Ministério da Saúde havia calculado o custo da sessão em R$ 219,00. Recentemente, foi publicado no Diário Oficial da União um reajuste de 12,5% sobre o valor da
sessão de hemodiálise, passando para R$218,47, incidindo sobre o serviço prestado a partir do mês de janeiro de 2022. Ocorre que, em valores atuais, o custo médio da sessão é de R$311,00, o que representa um déficit operacional de 42,5%.

Frente aos aumentos observados no custo do tratamento no período, o reajuste proposto inviabiliza o funcionamento dessas unidades. A esse cenário de calamidade financeira, soma-se o aumento substancial imposto pela pandemia da COVID-19: aumento de gastos com recursos humanos, devido a afastamentos, compra de EPIs não tradicionalmente utilizados nas sessões diálise e aumentos abusivos nos custos de máscaras e luvas.

O reflexo desse cenário de inviabilização tem-se tornado cada vez mais preocupante quando observamos que empresas multinacionais de prestação de serviço de diálise começaram a adquirir unidades de tratamento renal de forma crescente. A perspectiva de formação de um oligopólio no setor vislumbra a possibilidade, em futuro não tão distante, de que os pacientes que necessitam dessa terapia possam ter dificuldades de acesso, posto que especialmente em municípios do interior do país, as únicas clínicas de diálise pertencem a pequenos e médios gestores, que já não estão mais conseguindo arcar com déficits progressivos e empréstimos que não conseguem honrar.

Especificamente no Estado de São Paulo, das cerca de 172 unidades de diálise, 27% (46/172) já estão sob o gerenciamento de 3 multinacionais, sendo na cidade de São Paulo 34% (19/56).

Dessa forma, a Sociedade de Nefrologia do Estado de São Paulo tem, por dever de ofício, reiterar o alerta sobre a existência de grave problema no setor, com risco iminente de colapso. Solicitamos, com a urgência que a matéria requer, o envolvimento dos municípios, do estado e da federação na discussão da situação e contribuição rápida e efetiva de mecanismos de aporte financeiro, visando a sustentabilidade das unidades de diálise do Estado de São Paulo e do Brasil para que possam dar continuidade à assistência de qualidade aos vulneráveis pacientes renais crônicos.

São Paulo, 14 de fevereiro de 2022.

Prof. Dr. Lúcio R. Requião Moura
Presidente da SONESP