O direito à saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 e regulamentado pela Lei nº 8080, de setembro de 1990 e Lei 8142 de dezembro do mesmo ano, certamente, foi uma importante conquista social.
Antes da Constituição de 1988, diversos direitos fundamentais não eram reconhecidos, inclusive o direito à saúde, que se limitava à prevenção por meio de ações como vacinação e serviços de pronto-socorro. Outras necessidades de saúde eram, em parte, garantidas pela assistência social e serviços previdenciários, que beneficiavam apenas os trabalhadores formalmente empregados e seus dependentes. A sociedade de então, dividida em categorias, praticamente, excluía as pessoas carentes, indigentes e pobres, submetidas a ações de entidades benemerentes no tocante à saúde.
O movimento denominado Reforma Sanitária Brasileira, iniciado nos anos 1970, consegue êxito ao incorporar no texto constitucional a saúde como um direito fundamental. O Art. 196 da Constituição Federal de 1998, consagra a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Nasce aí, o Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS, trás na sua origem a característica do subfinanciamento assentada nas necessidades de saúde da população, em um País de enormes diferenças socioeconômicas, grande demografia e grande extensão territorial, situação em que as disparidades e realidades regionais são bem distintas. O conceito de universalidade, integralidade e igualdade, em muitas regiões, ainda está no terreno das pretensões.
O subfinanciamento da Saúde é histórico, nunca houve dinheiro suficiente. A União vem reduzindo sua participação nos gastos em Saúde. Em 1980, aplicava 75%, os Estados 18% e os Municípios 7%. Em 2010, a participação da União caiu para 45%, os Estados 27% e os Municípios, em muitos casos, superam os 30%.
Outra causa do subfinanciamento e, neste caso, a falta de repasses por parte do Ministério da Saúde aos demais entes federativos, merece destaque. Haja vista que no período 2003 à 2015, entre a dotação orçamentária autorizada e o total pago, cerca de R$136 bilhões não foram executados. Valor este que supera a dotação orçamentária de um ano inteiro.
Soma-se a isso os desvios no SUS. Nos últimos 14 anos, R$4,6 bilhões que deveriam ter servido ao Sistema Único de Saúde (SUS) escorreram pelo ralo da corrupção. Esse é o montante de dinheiro desviado da Saúde, entre 2002 e 2015. Segundo constatações encaminhadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) pela Controladoria-Geral da União (CGU).
A execução orçamentária ineficiente aliada a corrupção, para além da insuficiência de recursos alocados à Saúde, encontram um outro grande aliado nessa tragédia: má gestão. A saúde pública necessita de gestão eficiente e menos intervenção política partidária em suas ações.
Não obstante as situações acima apontadas, a crise econômica, política e social, com forte impacto na queda da receita reduziu o total de investimentos em Saúde, ocasionando uma situação desesperadora e caótica, dificuldade de acesso aos serviços básicos, longas filas para consultas, falta de profissionais, de medicamentos básicos, pronto-socorros abarrotados, hospitais funcionando precariamente com espaços físicos cada vez mais deteriorados.
Outra questão que deve ser apontada é o alto índice de desemprego. Cerca de 80% (oitenta porcento) dos planos privados são oriundos de contratos empresariais e, com o desemprego que assola o País, aproximadamente 800 mil beneficiários de planos de saúde, foram empurrados para o SUS. Vale lembrar que o incremento do sistema privado beneficia o SUS, porque este passa a ter menos custos.
É inegável que o Sistema Único de Saúde, apesar de todas as dificuldades tem registrado ao longo desses anos indicadores invejáveis, e para isso não há como deixar de reconhecer os avanços nas campanhas de imunizações, assim como na redução da mortalidade infantil. O Brasil conseguiu reduzir em 67,5% os casos de mortalidade infantil. Em 1990, a mortalidade em menores de um ano foi de 47,1 em cada mil nascidos vivos. Já em 2011, foi reduzida a 15,3 por 1000 nascidos vivos.
O Sistema de Saúde no Brasil necessita de uma visão mais harmônica entre o setor público e o setor suplementar. Ambos, tem uma função e uma finalidade de interesse público que se resume no direito à saúde, princípio consagrado pela Constituição de 1988.
A visão distorcida de que o Sistema Único de Saúde (SUS) não funciona é equivocada. O SUS possui uma rede estruturada com capacidade para absorver mais de 150 milhões de brasileiros SUS dependentes. Existem problemas de acolhimento/atendimento? Sim! Existem problemas no percurso pelos fluxos da rede de atenção? Sim! Existe uma enorme sobrecarga? Sim, existe! Más estes, entre outros exemplos, não significam desqualificar toda uma estrutura física e de recursos humanos altamente qualificados e diferenciados.
A rede pública possui uma rede de saber acumulada ao longo dos anos, alicerçada em pesquisas de campo e na prática do dia-a-dia que a habilita, desde que existam as condições adequadas, a ofertar serviços de saúde com qualidade e resolubilidade.
Um outro exemplo do avanço da saúde pública no Brasil está visível nas ações da Vigilância em Saúde. Área estratégica nas ações de promoção, prevenção e combate às doenças infecciosas e àquelas transmitidas por vetores, de forte impacto na saúde humana. Como exemplo: as campanhas de combate ao mosquito Aedes aegypti; Dengue; Febre Zika; Febre Amarela; Leishmaniose; Chagas entre outras.
A rede de atenção básica, com as suas unidades básicas de saúde aliadas as equipes Estratégia Saúde da Família (ESF), também representam um bom exemplo do sistema de prevenção e promoção à saúde. Esse trabalho precisa muito ser fortalecido, com investimentos em recursos e integração na intersetorialidade local e regional, de acordo com as realidades dos territórios.
A experiência dos profissionais da saúde pública e o saber acumulado por estes, necessitam ser valorizados, para tanto, em alguns casos, criando-se carreiras de estado.
As estruturas, tanto a pública como a suplementar precisam, num primeiro momento, se conhecer e interagir efetivamente. A partir daí, desenvolver ações conjuntas, priorizando o acolhimento, atendimento e investimento na rede de atenção básica, com foco na promoção e prevenção. Incluindo as ações de vigilância em saúde, para então, no decorrer desse processo tomar pé das variáveis que comprometem o fluxo desordenado nas portas das redes de urgência/emergência, assim como o agravamento de sintomas que poderiam ter merecido o devido cuidado na rede de atenção primária.
Que o Governo Federal faça a sua parte. O SUS pede socorro.
Gilberto Natalini
Médico e Vereador PV/SP