O estado de São Paulo teve 109% mais focos de incêndio florestal neste ano do que no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde o começo do ano, os satélites do instituto registraram 4.214 focos em todo o estado, contra 2.015 no mesmo período de 2019 (de 1º de janeiro a 13 de setembro).
As queimadas também provocaram o aumento no número de animais resgatados pela Polícia Ambiental e pelo Corpo de Bombeiros em cidades do interior. Segundo biólogos ouvidos pelo G1, além dos bichos que morrem queimados ou asfixiados pela fumaça, há ainda aqueles que, encurralados pelo fogo, acabam fugindo para cidades ou rodovias, onde podem ser vítimas de atropelamentos.
A três meses e meio do final do ano, o número de focos até agora já superou todo o ano de 2019. Já são 37% mais registros neste ano do que os 3.075 focos confirmados de janeiro a dezembro de 2019.
Os focos de incêndios em SP atingem de maneira similar a Mata Atlântica e o cerrado. De acordo com os dados do Inpe, 52% dos focos deste ano ocorreram em áreas de Mata Atlântica e 48% em áreas de cerrado.
O mês de setembro teve números ainda piores: foram 1.470 focos até o dia 13, sendo que a média histórica é de 796 incêndios para o mês todo.
Segundo Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e coordenador do Programa Queimadas – Monitoramento por Satélite, trata-se de um aumento significativo.
“Se fosse um aumento de 5% eu diria que não é grande coisa, mas um aumento dessa magnitude, é porque com certeza está queimando muito mais neste ano do que no ano passado”, alerta Setzer.
O pesquisador lembra que 2019 foi um ano com níveis de chuva acima da média na região Sudeste, o que ajuda a controlar as queimadas. De acordo com Setzer, os números de 2020 já são comparáveis com os anos de 2010 e 2014, que foram extremamente secos.
O ano de 2020 já superou os registros de 2014, quando ocorreram 3.277 focos até 13 de setembro. Já em 2010 foram 6.028 focos nesse período.
“Nessas condições de estiagem você tem o uso do fogo facilitado e a propagação também é muito facilitada”, explica Setzer.
Animais resgatados
O aumento nas queimadas provoca efeitos diretos na fauna do estado. O primeiro e mais imediato é a mortalidade de animais silvestres. Segundo o professor Luis Fabio Silveira, chefe da Divisão Científica do Museu de Zoologia da USP, os animais podem morrer queimados ou asfixiados, como está ocorrendo no Pantanal, por exemplo, mas, em SP, também são vítimas frequentes de acidentes nas rodovias do estado.
“O que aumenta muito com o crescimento das queimadas são os acidentes com animais silvestres, principalmente atropelamentos porque, ao fugir do fogo, muitos animais acabam chegando até as estada”, explica Silveira.
Outro efeito na fauna ocorre mais tarde, com a queda na cobertura vegetal causada pelas queimadas, que provoca a perda de habitat das espécies.
Diretor do Bioparque Serra Negra e biólogo, Daniel Chabu explica que, no estado de SP, “o fogo aumenta ainda mais a fragmentação dos habitats, porque o estado já tem poucos corredores ecológicos, e o fogo geralmente vai ocorrer perto de estrada, nas bordas de matas”.
Dessa forma, os bichos que sobrevivem podem acabar sem ter onde caçar, se reproduzir ou construir seus ninhos, por exemplo.
No noroeste paulista, região fortemente afetada pelo fogo neste ano, 1.854 animais silvestres foram resgatados de março a julho de 2020. O número corresponde a 53% do total de capturas realizadas em todo o estado. As informações são da Polícia Ambiental e do Corpo de Bombeiros.
De acordo com as corporações, um dos principais fatores que explicam ida dos animais para as cidades é a incidência de queimadas. Em agosto, um lobo-guará foi resgatado no estacionamento de um supermercado de São José do Rio Preto. Em Cerqueira César, uma onça foi flagrada correndo pelas ruas de um bairro residencial no começo do mês de setembro.
O biólogo Luis Fabio Silveira destaca que nem todas as espécies têm essa capacidade de fugir do fogo.
“O que é absurdo é a mortalidade brutal de animais como répteis, anfíbios, roedores, marsupiais e aves de pequeno porte. Estes morrem queimados ou asfixiados e você não encontra as carcaças. É uma mortalidade que está na casa dos milhões de indivíduos”, explica.
Outras espécies têm maior capacidade de fugir dos incêndios florestais, como algumas aves maiores. Apesar disso, o aparecimento de animais silvestres no ambiente urbano não necessariamente está relacionado à maior incidência de queimadas.
Silveira destaca o caso do tucano-toco, uma espécie de tucano comum em todo o estado, que tem sido flagrado com frequência por moradores de áreas urbanas, inclusive na Grande São Paulo.
Daniel Chabu, do Bioparque Serra Negra, estuda o ciclo de reprodução de tucanos, e diz que a espécie é muito adaptada ao ambiente urbano.
“O tucano-toco é um bicho bastante adaptado, ele chega perto, ele vai atrás do alimento e, de forma geral, ao longo dos últimos anos a gente já está vendo o aumento da população dos tucanos no estado”, explica.
Um dos locais que concentra os piores focos de incêndio no estado de SP é a região da Serra da Paulista, entre os municípios de São João da Boa Vista, Águas da Prata e Vargem Grande do Sul. Durante toda a semana passada a região foi alvo de um grande incêndio que consumiu boa parte da vegetação.
O fogo havia sido controlado no sábado (12), após o uso de helicópteros e aviões agrícolas, mas a região voltou a ser atingida neste domingo (13), com um incêndio em uma região de mata próxima à área de visitação do Parque Estadual de Águas da Prata.
De acordo com dados do Programa Queimadas no Inpe, foram registrados focos dentro dos limites do Parque Estadual de Águas da Prata neste ano. O local é uma unidade de conservação estadual de 48,4 hectares demarcada por decreto em 1952. Considerando um raio de 10 quilômetros em torno do parque, já foram mais de 230 focos em 2020.
“São áreas que em hipótese alguma deveriam estar queimando”, destaca Setzer, do Inpe.
As imagens de satélite do Inpe mostram que, neste domingo (13), havia uma grande coluna de fumaça na região Norte do estado. As pequenas cruzes na imagem correspondem aos diferentes focos de fogo detectados pelos satélites.
Outra queimada de grande porte atinge uma área de proteção ambiental na região da Serra do Mursa, em Várzea Paulista, desde a noite de segunda-feira (14). Segundo a Defesa Civil, são aproximadamente dois milhões de metros quadrados de área queimada, o que equivale a 280 campos de futebol.
Perto dali, o fogo também atingiu o bairro Engordadouro, em Jundiaí, que fica próximo à Rodovia Anhanguera, que precisou ser fechada para o tráfego de veículos várias vezes por causa da fumaça.
As queimadas no interior do país já afetam a qualidade do ar na cidade de São Paulo, segundo monitoramento feito pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). A camada de poluição sobre a metrópole nessa época do ano costuma se estender até uma altitude de 1.500 metros. No último domingo e nesta segunda-feira (14), no entanto, ela alcançou quase o dobro: 2.800 metros.
Fonte: G1