Há no Brasil de hoje dezenas de milhões de eleitores que não se sentem representados pelas forças que dominam a arena política. São esses – em boa parte – os que apoiam a democracia como um valor universal e que são contra toda sorte de preconceitos e discriminações. São os que acreditam na eficiência do Estado, mas defendem uma economia livre, querem aliar desenvolvimento e sustentabilidade, desejam empreender, mas precisam de apoio ou, quando menos, que não sejam atrapalhados, sabem que segurança é inteligência e violência, irmã da desigualdade. São os que não acham que um pouquinho de inflação faz bem, nem querem leis dos anos 1940 regulando o trabalho. São os que não vêm legitimidade em invasões e depredações de patrimônio público ou privado, mas defendem instransigentemente as liberdades de expressão, organização e manifestação de acordo com as regras do Estado democrático de direito.
Eles não estão nos extremos ou polos que viraram instrumento de análise da divisão a que lulismo e bolsonarismo submeteram a sociedade, ambos em busca do poder pelo poder. Eles não defendem, nem justificam, grupos terroristas, como o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e demais milícias do Oriente Médio que servem aos propósitos da teocracia iraniana e estão sendo usados pelas grandes autocracias do planeta contra os regimes democráticos – tampouco apoiam Nicolas Maduro, Vladimir Putin ou outros ditadores, de esquerda, de direita ou fundamentalistas religiosos.
Quem falará por cerca de 40% de brasileiros que não são petistas ou bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas? Os partidos políticos falharam em interpretar os sentimentos, captar as aspirações e endereçar soluções para os problemas desse imenso contingente populacional. Os que não minguaram viraram satélites dos dois campos que alimentam a clivagem social e política brasileira.
A construção de alternativas à polarização terá de partir dos insatisfeitos com esse estado de coisas. E, nesse campo, há grande diversidade. De intelectuais a políticos, passando por jovens idealistas, professores, profissionais liberais, trabalhadores de chão de fábrica e de empresas de tecnologia, entregadores e motoristas de aplicativos, empresários, agricultores, artistas, sindicalistas, cientistas, enfim, pessoas comuns que querem viver, estudar, trabalhar, empreender, se divertir, amar e se congraçar com seus semelhantes sabendo que somente a democracia pode configurar ambientes pacíficos onde seus direitos políticos e suas liberdades civis sejam respeitados e valorizados.
Uma oposição democrática aos populismos, no governo ou fora dele, já existe no Brasil, ela ainda é pequena e está dispersa e não crescerá por mágica nas eleições deste ano ou nas próximas. Entretanto, as forças políticas democráticas precisam se articular para influenciar de pronto a agenda nacional, resgatando o espaço público dos populismos de esquerda e direita que o sequestraram. Isso exige conversação livre e franca entre pessoas que não imaginam que têm o monopólio da verdade e que estão abertas a ouvir e entender os pontos de vista do outro e, se necessário, a mudar seus próprios prontos de vista. Exige empenho contínuo, um exercício permanente de olhar para frente, de pensar o país para além das disputas pelo poder.
Há muita gente disposta a isso. Gente cansada do destrutivo e paralisante “nós contra eles”. Que todos esses comecem a se conectar, virtual ou presencialmente, em múltiplas iniciativas, não importa se em grande ou pequeno número. O resultado desse esforço não será uma frente de pessoas que pensam igual, mas uma ecologia de diferenças coligadas. Não se articularão apenas para lançar candidatos às eleições, embora daí certamente nascerão opções aos extremos, mas para congregar os que desejam trabalhar pela despolarização, em nome dos milhões de brasileiros que almejam viver em um país melhor e estão fartos daqueles que lucram com a divisão da sociedade brasileira.
Fonte: Jornal OESP- 11/05/2024
Roberto Freire, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini e Augusto de Franco