Todos nós conhecemos a figura do homem amarrado a uma árvore sendo supliciado e morto por flechadas e estocadas na Idade Média por atraso e ignorância dos carrascos. Tornou-se santo depois: São Sebastião.
Mas não é desse martírio que estamos falando. E sim da catástrofe ambiental que se abateu sobre a cidade de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Com cerca de 90 mil habitantes, essa conhecida estância litorânea não fugiu à regra do Brasil.
Situada numa faixa de 100km de extensão de praias, fica espremida entre o mar e a Serra do Mar, tendo um desenvolvimento urbano desplanejado e clandestino, como a maioria das cidades brasileiras. Assim, as pessoas mais pobres adentraram nas encostas dos morros e nas margens dos cursos d’água formando uma grande área de risco, palco dos fenômenos climáticos extremos.
Dito e feito! Veio a chuva, a maior já vista no local, com 600mm de precipitação, com a enxurrada descendo a serra, volumosa e destrutiva. Pronto! O estrago está aí para todo mundo ver.
São 50 mortos, 40 desaparecidos, milhares de desabrigados, centenas de casas, carros e outros bens destruídos, gente ilhada, ferida e desabitada.
São trechos enormes e múltiplos de estradas destruídas e áreas ambientais arrasadas.
Os governos correram pra lá. Foi o Governador, o Presidente e o Prefeito que já estava lá. Foi a solidariedade das pessoas de fora em forma de doações. Mas a questão está longe de ser resolvida.
Esse desastre mostrou a fragilidade do Brasil diante dos fenômenos extremos das mudanças climáticas.
Primeiro aparece o erro histórico de nosso desenvolvimento urbano. Nossas cidades são todas expostas a essas tragédias, que se repetem cada vez mais pelo Brasil afora.
Temos 10 milhões de brasileiros morando em áreas de grande risco. E isso só tem aumentado, pela pobreza, pelo caos urbano, pelo descaso dos governos, pelos corruptos de plantão. Até existe um sistema de alerta criado, que funciona, o CEMADEN. Mas entre o aviso e as ações nos locais há uma grande distância que não preveniu o caso de São Sebastião. E outros também não.
Feito o estrago climático, todo mundo corre lá pra recolher os mortos e consolar os feridos e desabrigados. Mas, as medidas concretas de remediação demoram ou não chegam, como no caso de Petrópolis. Até a próxima chuva.
Lula liberou R$ 7 milhões que talvez dê para comprar água e alguns mantimentos. O Governador agiu e prometeu acudir os necessitados.
Vamos acompanhar os passos seguintes sobre as medidas de remediação e torcer para as verbas, se liberadas, chegarem intactas ao seu destino.
Por último, chamo a atenção para o fato principal. Todos se chocam com o drama humano, a imprensa se repete nas imagens, os governantes sobrevoam e caminham na lama e forma-se a corrente de solidariedade da população. Mas pouco ou quase nada se fala do fenômeno em si e suas causas reais.
O aquecimento global e suas mudanças climáticas com fenômenos extremos de chuvas e estiagens é cada vez mais frequente, mas visível e sentido. Um estrago global.
Fica a pergunta:
O que o Brasil está fazendo DE FATO para enfrentar esse desafio, o maior que a humanidade já enfrentou?
Combate ao desmatamento? É muito importante e espero que se imponha.
Mas a mudança da matriz energética, o replantio de matas, a proteção dos rios e lagos, a produção e economia verde, o destino correto do lixo, a mudança dos padrões de consumo, o remanejamento das áreas de risco, a proteção da biodiversidade são desafios gigantes a serem enfrentados pelo governo e povo brasileiro.
E quanto a isso, vemos uma ação pequena, seja dos 3 níveis de governo, seja no empresariado e sociedade civil.
Até quando? Até o próximo desastre climático.
Gilberto Natalini- Médico e Ambientalista