Gilberto Natalini SP

Desde os 5 anos de idade eu já dizia pra todo mundo que eu queria ser médico. Conforme o tempo passava mais eu me aproximava dessa ideia.

Um tio médico, Dr. Euclides, pediatra, e um amigo da família, Dr. Manuel, clínico geral, foram exemplos bons que fortaleceram minha vontade pela profissão. Eu lia tudo sobre o assunto.

Aos 16 anos decidi, para desespero da minha mãe, e apreensão de meu pai, vir para São Paulo, para a casa de “seu” Rafael, avô paterno, fazer o 3º Colegial e o cursinho, juntos, para prestar o vestibular. Todos da família me ajudaram muito, em particular minha tia Edhayr. E assim foi!

Aos 18 anos incompletos passei no CESCEM, e entrei na Escola Paulista de Medicina, famosa e disputada, hoje pertencente à UNIFESP. No início foi difícil.

Primeiro o Trote, que era torturante. Depois, enturmar não foi fácil. Éramos cerca de 30 alunos mais pobres, mas a turma de 120 tinha maioria classe média alta.

Tudo isso foi sendo superado, pouco a pouco. As amizades foram se formando entre nós, e com os alunos das outras turmas. Em alguns meses já “éramos da casa”!

Hoje, após 50 anos de formados, somos uma turma de grisalhos amigos. Vários já se foram.

Os professores das cadeiras básicas eram mestres: o Prates, o Sasso, o Ribeiro do Valle, o Leal Prado, o Walter Leser, e seus assistentes, nos ensinaram os primeiros e definitivos passos de nossa profissão.
Logo formamos um grupo de cerca de 20 alunos mais afinados ideologicamente e começamos a nos relacionar com lideranças de outros anos e de outras Faculdades.

Estudávamos bastante, e no geral, passávamos sempre sem precisar fazer exames. Anatomia, Histologia, Fisiologia, Farmacologia, Bioquímica, Biofísica, Patologia, Medicina Preventiva, nos deram as bases da Ciência Médica.

Logo no primeiro ano, começamos um grande ativismo na política estudantil, e em seguida fomos para o Centro Acadêmico, fazer o jornal “O Barretinho” e a militância estudantil, sem nunca deixar de estudar. Nunca perdemos um ano.

Era a época da Ditadura Militar e eu fui preso em 1972, junto com outros colegas. Passamos o terror do DOI CODI, nas mãos do Major Ustra. Saímos vivos de lá. Mas depois fui preso mais várias vezes. Nada disso atrapalhou minha dedicação aos estudos e à vida acadêmica. A solidariedade dos colegas, dos professores da Escola foi emocionante. Nunca vou me esquecer disso. São muitos relatos e ações solidárias que tivemos.

Fui monitor da Farmacologia e depois da Patologia Clínica. Aprendi muito. Lembro-me e sou grato aos Professores de Clínica e Cirurgia, Oswaldo Ramos, Duílio, Emil, Chibly, Milton, Mansur, Sporch, Deláscio, Chacra, Jardim, Rato, Carlini, Jair Guimarães, Michalany, Saul, Horácio, Gallucci, e tantos outros, com seus assistentes e residentes.

No 5° ano, veio o internato, e arranjei plantões fora, de obstetrícia e clínica. Trabalhei em vários lugares, como plantonista acadêmico, como Maternidade de São Paulo, e tantos outros. Ganhava a vida e aprendia a profissão na prática.

O Hospital São Paulo e seu Pronto Socorro, nosso Hospital Escola, eu nunca vou esquecer. Desde o 3° ano, na Terceira Enfermaria como estudante, até o último dia do 6° ano. Uma escola de prática médica e de humanismo.

Me formei em 1975. Eu e mais 14 colegas não fomos à festa de formatura por um ato de protesto político. Nos formamos na sala do diretor, o Professor José Carlos Prates, a quem entreguei o Título de Cidadão Paulistano, depois, quando fui vereador. Aquela foi uma decisão muito forte, mas da qual não nos arrependemos.

Ali, na E.P.M., durante 6 anos vi meu sonho de criança se realizar. Aprendi a Ciência Médica e a Prática Médica, o humanismo da medicina, que carrego até hoje, sem deixar de exerce-los nem por um dia.

Em 1975, ano da formatura, prestei exame de Residência para Cirurgia. Passei no Hospital São Paulo, no Hospital do Servidor Público Municipal (H.S.P.M.) e no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE).

Optei pelo H.S.P.E., e fiz lá 2 anos de Gastro Cirurgia. Tive como mestres o Professor Goffi, o Nagamassa, o Godoy e tantos outros que me ensinaram a arte do bisturi. Tive como colegas o Ricardo, o Zampieri, o Ferrão, o Helvio, o Massatoshi. Foi uma época rica de aprendizado. Operei muito, e aprendi muito.

Saí dali para a vida médica, sem antes liderar uma greve de residentes que obteve muitas conquistas trabalhistas, fundar e ser o 1° Presidente da AMERIAMSPE.

Fiz no H.S.P.E. muitos amigos que convivo até hoje. Bons tempos!

Ao lado disso tudo, fiz a política estudantil e a política médica, com muita intensidade. Fui também Diretor do Sindicato dos Médicos por 3 gestões, e Delegado da Associação Paulista de Medicina, onde estou até hoje.

Fui gestor público também. Secretário de Saúde de Diadema de 1997/2000 e de São Lourenço da Serra em 2000, tendo sido eleito “Presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde-CONASEMS em 1999/2000, isto na época áurea da municipalização do SUS. Daí me elegi vereador na cidade de São Paulo e fiquei lá por 5 mandatos, quando decidi parar a vida parlamentar.

Em janeiro de 1976, fui com mais 14 colegas fundar o Ambulatório Médico Voluntário na Igreja Bom Jesus do Cangaíba, zona leste de São Paulo.

Atendemos lá há 48 anos ininterruptos, todo sábado, sendo que de um tempo para cá estamos eu, o Francé e o Nacime, e os voluntários leigos, Amaury, Coração, Neuza, e outros que vão esporadicamente. Ali fundamos a Associação Popular de Saúde, que foi pioneira nas lutas populares por saúde a partir da Zona Leste de São Paulo, com muitas conquistas. Participamos de todas as lutas sociais e políticas do povo brasileiro, por saúde, por qualidade de vida, por Democracia.

Em dezembro de 2025, vou fazer 50 anos de formado. Nunca deixei de exercer minha profissão por um dia sequer.

Fui médico concursado da Prefeitura de São Paulo, do Estado de São Paulo, do Sindicato dos Motoristas de São Paulo, da antiga Eletropaulo, e tenho consultório em Santo Amaro há quase 40 anos.

Operei em inúmeros hospitais públicos e privados de São Paulo, e mesmo de fora da cidade. Fiz voluntariado médico no Amazonas e em vários outros lugares do Brasil.

Calculo que eu já tenha feito mais de 100 mil consultas médicas e mais de 17 mil cirurgias. E continuo fazendo.

Não enriqueci, pois optei por atender a população mais pobre, embora tenha pacientes mais abastados em minha clínica. Mas também nunca aprendi a cobrar. Mas a medicina tem sustentado a minha vida, dignamente.

Após 50 anos, digo que o segredo da profissão médica é o saber tecno-científico e também a dedicação à relação médico paciente.

A humanização do atendimento, é mais da metade do sucesso do tratamento. Vejo, com tristeza, que isso tem faltado muito atualmente. Já faz um bom tempo que a qualidade da assistência médica, a formação dos médicos e a relação médico paciente, tem se degradado bastante. Isso deve-se a múltiplos fatores. A mercantilização do exercício da medicina, transformando o atendimento médico em fator de lucro, por empresas de Medicina de Grupo, a instrumentalização do uso de equipamentos e aparelhos médico-laboratoriais pela indústria do setor, a influência da indústria farmacêutica como indutor das condutas terapêuticas, transformaram a Medicina e sua prática em mais um ativo do mercado. A multiplicação, descontrolada e lucrativa das escolas médicas no Brasil, que hoje formam cerca de 40 mil médicos por ano, transformou a profissão para pior, retirando muito da competência e da humanização do atendimento aos pacientes.

Assim, o conhecimento técnico decaiu muito, e a relação médico paciente perdeu bastante sua qualidade.
Eu, de minha parte, e muitos colegas que conheço, nos esforçamos demais para honrar o juramento de Hipócrates.

Esses são os verdadeiros médicos.

Os Médicos por vocação! E por paixão!!!

Gilberto Natalini- Médico e Ambientalista