Nos idos de 1988, um sacerdote de expressão modesta, pouco conhecido fora de sua cidade, Istambul, abençoou uma conferência ambiental realizada na ilha grega de Patmos, célebre por ter sido o lugar onde o autor do último livro da Bíblia teve a aterrorizante visão do apocalipse. Pouco tempo depois, o patriarca Dimitrios propôs que o 1.º de setembro se tornasse um dia anual de orações pelo destino da Terra.
Transcorridas três décadas, a iniciativa agora abrange um mês inteiro de atividades ecoespirituais e conta com o apoio de líderes religiosos que falam para centenas de milhões de pessoas. Foi encampada pelo Conselho Mundial de Igrejas, que congrega 345 corpos religiosos, e pelo Vaticano. E a uma virtuosa teoria teológica somou-se nova ênfase em formas concretas de ação — muitas vezes de natureza contenciosa.
Este ano, o papa Francisco e Bartolomeu I, sucessor de Dimitrios no Patriarcado de Constantinopla, que tem “primazia de honra” entre os cristãos ortodoxos, divulgaram em 1.º de setembro um comunicado conjunto, em que denunciam com veemência o abuso do planeta pelos seres humanos.
Com uma argumentação inteligente, combinando a preocupação com a Terra e a preocupação com a humanidade, os dois líderes afirmam: “A deterioração do meio ambiente humano é concomitante à do meio ambiente natural, e essa deterioração do planeta atinge principalmente as parcelas mais vulneráveis da população mundial. Em todos os cantos do planeta, o impacto das mudanças climáticas afeta sobretudo aqueles que vivem na pobreza.”
O ciclo de ações ecoespirituais, que os ativistas agora chamam de “tempo da criação” se encerra em 4 de outubro, que é o Dia de São Francisco de Assis, nome adotado pelo pontífice católico. Nessa data, organizações cristãs do mundo inteiro anunciarão a decisão de abandonar seus investimentos em empresas que se dedicam à exploração e produção de combustíveis fósseis.
E tem mais. Em 29 de outubro, grandes investidores vinculados a instituições religiosas se reunirão na cidade suíça de Zug. O encontro tem por objetivo discutir soluções que permitam não apenas evitar investimentos financeiros “condenáveis”, como também alocar recursos de maneira a promover a melhoria do meio ambiente.
Tendo em vista os bilhões de dólares em ativos que controlam (incluindo terras, imóveis, fundos de pensão e investimento), as igrejas influenciam o planeta tanto pelo poder edificante de suas palavras como por suas ações.
Mas que ações exatamente? Mesmo entre os que são de opinião de que é preciso mudar o mais rápido possível a matriz energética do planeta, não há consenso sobre como estimular a substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia.
Justin Welby, arcebispo que, além de comandar a igreja da Inglaterra, lidera os 85 milhões de fiéis da Comunhão Anglicana (reunião de diversas outras igrejas anglicanas nacionais e regionais) é um dos que defendem uma estratégia gradual. Em maio, soube-se que ajudou a convencer a empresa global de gestão de ativos BMO a reduzir progressivamente seu envolvimento na extração de combustíveis fósseis.
No entanto, para consternação dos ambientalistas mais radicais, a própria igreja de Welby e seus gestores financeiros insistem que usar a sua influência – e seus investimentos – para negociar com empresas de energia é uma alternativa mais apropriada do que vender imediatamente todos os ativos investidos no segmento.
Como disse um representante do fundo de pensão da igreja da Inglaterra, os economistas acreditam que “os combustíveis fósseis continuarão a ser, por várias décadas ainda, um componente importante no mix energético global”. Assim, o ideal seria orientar o setor a seguir na direção correta. Os ativistas mais aguerridos, incluindo os ligados a igrejas, não estão convencidos disso.
O fato de que os ministros de Deus estejam travando debate tão acalorado sobre como ser um bom cidadão global provavelmente é um sinal saudável. Significa que as palavras inspiradoras de prelados, padres e patriarcas estão chegando a um lugar onde é preciso alocar recursos finitos e fazer escolhas difíceis: a Terra onde todos nós vivemos. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER
Fonte: The Economist/ O Estado de São Paulo