TEMPOS BICUDOS

Vivemos tempos bicudos! Muitos me dizem: “mas sempre foi assim”.

Sinceramente sei que a humanidade sempre se debateu entre o “bem e o mal”, entre o “progresso e o atraso”, entre a “felicidade e o sofrimento”. Mas, tempos como hoje, creio, são diversos, pois a despeito de todo conhecimento tecnológico e científico, de todas as conquistas sociais e culturais, de toda a imensa riqueza produzida pela ação humana, repito: vivemos tempos bicudos.

Vamos aos desdobramentos. O imenso volume de riquezas produzidas pelo capitalismo, sistema que triunfou soberano mundo a fora em sua fase de capital financeiro, não chega na massa humana de 8 bilhões de pessoas. Pelo contrário!! Diz-se que as 26 pessoas mais ricas do mundo têm a mesma riqueza das 4 bilhões de pessoas mais pobres.

Continentes inteiros como a África, grande parte da América Latina e da Ásia sofrem de uma pobreza crônica que vem aumentando e se tornando uma miséria cruel, onde 1 bilhão de pessoas não consegue fazer três refeições por dia, moram em sub habitações e são marginalizadas de bens de consumo corriqueiros.

A desigualdade social no planeta é abissal e vem aumentando ano após ano.

Por outro lado, uma parcela muito significativa da humanidade vive em países governados por regimes autoritários e ditaduras, onde as liberdades democráticas inexistem. E enfrentam uma criminalidade crescente, uma violência extrema causada por máfias do crime organizado que vivem do tráfico de drogas, de pessoas, de órgãos, de armas e sabe-se lá do que mais.

A maior facção criminosa do Brasil é considerada a 8ª máfia do mundo. E o pior é que essa tendência tem aumentado com o surgimento de líderes populistas e ditadores que se espalham pelos continentes. Dizem que a Democracia Liberal está em crise.

Ainda são fatos dos tempos de hoje, a imensa depredação que as mãos e os cérebros humanos têm causado aos recursos naturais do planeta, que sabemos, são finitos.

Esse consumo predatório da natureza se deve ao grande aumento da população humana que logo chegará a 9 bilhões. E, também, à forma agressiva, irracional, irresponsável e até criminosa de como são extraídos os recursos naturais que servem para abastecer o consumo humano, através de negócios, na agricultura, na indústria e no comércio. Consumo este, muitas vezes, acima das necessidades reais da sobrevivência humana. Aqui, o lucro, aliado ao consumismo desenfreado, vai sangrando o Planeta de forma irreversível.

Acrescenta-se a isto o novo desafio criado pela ação humana, na busca de produção de energia a partir da queima dos combustíveis fósseis com a  emissão dos gases de efeito estufa e suas consequências: o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Vemos, cada dia mais, o nervosismo, a imprevisibilidade, a agressividade do clima, com seus fenômenos extremos de secas e cheias, de tornados, de calor insuportável e frentes frias, que matam, adoecem e atormentam bilhões de pessoas.

Este, talvez, seja o maior desafio que a humanidade já enfrentou em toda a sua existência.

Pois então!!! E o que mesmo o ser humano tem feito diante de tudo que foi dito acima? É claro que vemos uma parcela de pessoas se mexendo para frear essa agenda insana que a humanidade se meteu.

Pelo mundo afora vemos medidas de combate à fome, à violência, à miséria, aos fenômenos de agressão ao meio ambiente. Cientistas, técnicos, empresários, religiosos, governantes e população tem tomado consciência e agido para melhorar esses tempos bicudos.

Mas, infelizmente, isso não é majoritário.

O que está predominando ainda é o lado destrutivo da vida, com um acumulo pornográfico das riquezas, e a privação de comida, água, emprego, saúde, para bilhões de pessoas.

A conduta da lucrativa indústria de petróleo tem sido um exemplo histórico da irresponsabilidade com a existência humana. A COP-28 que o diga!

E por fim, e muito grave, os conflitos pelo Planeta agora provocados por disputas econômicas, religiosas e políticas, vão se multiplicando e criando situações de guerras, de guerrilhas, de terrorismo, de destruição bélica.

Veja a Rússia/Ucrânia, a China/Taiwan, Israel/Palestina, Venezuela/Guiana, Iran/Iêmen/Ocidente, Coreia do Norte/Sul.

Guerras e ameaças imbecilizadas diante de um mundo tão combalido.

“E assim caminha a humanidade” nesses tempos bicudos.

Acredito na capacidade humana de superar desafios. Foi assim em toda a história da nossa espécie.

Mas, precisamos estar cientes do tamanho da encrenca em que estamos metidos.

E trabalhar, falar, gritar, protestar, propor, reunir, dialogar, punir, cobrar cada vez mais gente, o tempo inteiro, para revertermos a realidade desses tempos bicudos.

Gilberto Natalini- Médico e Ambientalista