Gilberto Natalini SP

Foi uma luta intensa, sofrida e vitoriosa a aprovação do SUS na Constituinte de 1988. Já vinha de longe as batalhas do chamado “partido sanitário brasileiro”, também chamado “partido do jaleco branco”, do qual, honrosamente, sempre fiz parte, para implantar o Sistema Único de Saúde no Brasil.

Até 1988, só tinha direito ao sistema público de saúde quem pagava o INSS, ou seja, 30% do povo. Os demais 70%, sem a “carteira assinada”, dependia da filantropia, da chamada misericórdia alheia.

Criado o SUS na Constituição, 100% dos brasileiros, entraram para o sistema com a conhecida frase “saúde é direito de todos e dever do Estado” (Art.196).

Estava criado, o mais completo, complexo, abrangente e generoso sistema de saúde pública do mundo, o SUS, que se obrigava a fazer promoção, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde, em sistema federativo tripartite, integral, regionalizado, universal e gratuito.

Onde foi que erramos?

Os constituintes criaram o arrojado SUS, mas não escreveram na Lei a garantia de seu financiamento. Nasceu então, já subfinanciado e veio se desenvolvendo, se implantando, se ampliando, sempre com recursos inferiores às suas necessidades de atenção à saúde.

Com altos e baixos dos recursos disponíveis, às vezes chegando a um mínimo como no Governo Collor, às vezes com um aporte maior, como foi na aprovação da PEC-29.

No ano de 1999, eu era Presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASENS), o Ministro da Saúde era José Serra, e Fernando Cupertino de Barros era Presidente do CONASS, e nós colocamos  em pauta no Congresso Nacional a PEC-29 de autoria do Deputado Eduardo Jorge (SP) e Carlos Mosconi (MG).

Foi uma batalha política bonita, onde unificamos e mobilizamos todos os setores da saúde, os Conselhos de Saúde, os Movimentos Sociais, e com apoio da Frente Parlamentar e Suprapartidária da Saúde no Congresso, conseguimos aprovar em outubro de 2000 a PEC- 29 que vinculou as verbas orçamentárias nos 3 níveis de Governos para financiar o SUS.

Foram tempos de bons ventos no SUS, onde houve grande ampliação dos serviços de saúde, com o grande aumento das Equipes de Saúde de Família, a criação do REFORSUS, o auxílio às Santas Casas, aos Hospitais Públicos, o Programa da AIDS, o aumento das vacinações, entre tantos outros avanços.

A PEC aprovada que deveria ser regulamentada em 2004, só teve isso em 2010.

O Governo Federal começou a “tirar o time” do financiamento, sobrecarregando demais os Estados e Municípios. Só para constar, o Ministério da Saúde bancava até 70% dos gastos do SUS até a aprovação da PEC-29 e hoje financia só 43% do sistema. Tem municípios, e são muitos, que aportam 35% de seus orçamentos próprios na saúde, quando sua obrigação legal é colocar 15% como mínimo.

De 2004 a 2014 o Governo Federal contingenciou (congelou) cerca de 240 bilhões de reais das verbas do SUS. Um verdadeiro calote.

Como a inflação da saúde é em dólar, e as demandas dos serviços são sempre crescentes, os recursos do SUS se tornaram insuficientes, e o SUS seguiu subfinanciado.

Em 2016 aprovaram a PEC-95, a chamada Teto de Gastos, que proibiu dinheiro novo na saúde. A partir daí o subfinanciamento crônico e cruel do SUS passou a ser desfinanciamento. E assim segue até hoje.

No atual governo, o desfinanciamento aumentou, embora houvesse aporte de recursos na pandemia de COVID-19. Passado o pico da pandemia, a grande demanda reprimida de consultas, exames e procedimentos batem à porta do SUS, e as filas de espera ficaram enormes, inclusive em doenças graves como neoplasias e patologias cardiovasculares, entre outros.

Nos últimos tempos, os cortes no Ministério da Saúde têm sido repetidos. Para o orçamento de 2023 temos cortes de 59% na Farmácia Popular, 46,4% no controle do câncer, de 61% na Atenção Materno Infantil e 36,8% no Programa Nacional de Imunização.

Nesse ritmo de desfinanciamento da saúde pública no Brasil, entramos no modo de desassistência, de crise na vacinação, de colapso de hospitais públicos e filantrópicos, de espera de meses para o atendimento a tumores entre outras crueldades. Uma verdadeira catástrofe humanitária. Se não houver uma mudança de rumo nesse desfinanciamento, temo que o SUS vá se esfarelando de forma inexorável.

Lembramos que 75% do povo brasileiro depende exclusivamente do SUS. São cerca de 160 milhões de pessoas. Ou seja: estamos diante da barbárie social.

Não deixaremos isso acontecer.

Gilberto Natalini- Médico e Ambientalista