ACESSO À COMIDA, DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS E DANOS AO CLIMA

Dura realidade, há uma contradição persistente que merece redobrada atenção. Organizados pela FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, os dados a seguir, com base no ano de 2020, longe de apresentar alguma novidade, são alarmantes e nos deixam perplexos: enquanto 811 milhões de pessoas passam fome e 132 milhões sofrem com as ameaças da insegurança alimentar, 14% da produção alimentar (para o caso de frutas e verduras, perde-se mais de 20%) mundial – equivalente a 400 bilhões de dólares – são desperdiçados todos os anos entre a colheita e a venda no varejo. Apenas três anos atrás, em 2019, 3 bilhões de pessoas (quase metade da população mundial) não podiam pagar por uma dieta saudável. Em termos gerais, desde 2014, ainda que lentamente, tem aumentado o número de pessoas afetadas pela fome.

Ainda assim, a escala de perdas de alimentos, para não perder de vista esse odioso problema, deixa qualquer um entre perplexo e estarrecido, uma vez que, numa conta geral, representa inaceitáveis 931 milhões de toneladas de comida (o equivalente a 321 mil Maracanãs) que vão parar no lixo. O problema é que isso, falando o óbvio, se repete todos os anos. O Índice Global do Desperdício de Alimentos da ONU, de 2021, com base de dados apurados em 2019, estima em 121 quilos o desperdício de comida per capita anual. No todo, são 17% da produção total de alimentos do mundo que terminam na lata de lixo, ou 23 milhões de caminhões de 40 toneladas totalmente carregados de alimentos. Para um comparativo ainda mais assustador, se alinhados, esses caminhões dariam a volta na Terra sete vezes.

No caso brasileiro, e isso também não é nenhuma novidade, somos um dos dez países que mais desperdiçam alimentos em todo o mundo: 30% da nossa produção é desperdiçada na fase pós-colheita (ou porque estão fora do prazo de validade ou porque apresentam aparência fora do padrão estabelecido pela legislação do Ministério da Agricultura).

Mas há ainda outro detalhe não menos estarrecedor a ser mencionado. Seguindo de perto a perda final de alimentos, num planeta já deteriorado por tantos desajustes ecológicos, há o desperdício sequencial de vários recursos utilizados na produção alimentar. Quer dizer, uso da terra, enorme volume de água, energia e trabalho humano que jamais retornarão à cadeia produtiva. Portanto, o impacto ambiental e a extensão dos problemas, bem sabemos, são enormes e aumentam a preocupação com a questão ecológica que afeta – e muito – nosso lar coletivo.

De toda maneira, sem abandonar a questão climática, tem mais um problema de igual importância, se não maior: A FAO/ONU estima que entre 8% e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa (notadamente óxido nitroso e metano) estão associados a alimentos que não são consumidos.

De perto ou de longe, igualmente estarrecedor aqui, para além de todas as fortes evidências mostradas, é se dar conta que, se fosse um país, o desperdício de alimentos seria o terceiro maior emissor do planeta, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Inútil dizer, esse problema em particular, muito mais que um dilema cotidiano, arrasta consigo a possibilidade de se buscar alternativas plausíveis, tanto que o programa ambiental da ONU tem como meta reduzir pela metade o desperdício global de alimentos até 2030. Ainda assim, é preciso sempre identificar os pontos mais nebulosos que contribuem para ameaçar a estabilidade ecológica. Nessa mesma direção, infelizmente, longe da prática de consumo consciente (bandeira fundamental de nosso tempo que precisamos levantar a todo o momento), a maior parte do desperdício de alimentos, 61%, vem das famílias. Treze por cento vem do comércio (supermercados e pequenos estabelecimentos) e 26% vêm do setor de serviços, por exemplo, restaurantes e hotéis.

Autores: Gilberto Natalini, Eduardo Jorge e Marcus Eduardo de Oliveira

Foto: Freepik – Freepik.com

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